Em 2023, o musical Nas Alturas (In The Heights), de Lin-Manuel Miranda, ganhou uma montagem licenciada pela Concord Theatricals, produzida pelo In Cena. O responsável por adaptar as letras para o português foi Vitor Louzada, que mergulhou no desafio de traduzir a obra sem perder sua essência. Nesta entrevista, realizada em comemoração aos 10 anos de Hamilton, Vitor compartilha detalhes sobre o processo de adaptação e as particularidades de trabalhar com o texto de um dos maiores nomes do teatro musical.
Klaus Bentes: Vitor, tive a honra de conhecê-lo pessoalmente na estreia de Nas Alturas, produzido pelo In Cena em 2023. Sei que sua trajetória como versionista já vem de longa data. Para começarmos a entrevista, poderia compartilhar um pouco da sua história?
Vitor Louzada: Eu trabalho com teatro desde sempre. Sou ator de formação, pós-graduado em direção teatral, professor de teatro, cantor, produtor quando precisa e, claro, versionista e letrista.
Falando especificamente da minha carreira de versionista, eu aprendi a versionar já no meu primeiro curso de teatro musical. Eu ia cantar um dueto e, na folha que me foi entregue com a letra, eu percebi que faltava um trechinho de música, então eu fiz por conta própria; a professora elogiou e partiu daí.
Eu trabalhei como assistente de direção teatral no núcleo de teatro musical da CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) por muitos anos. De 2014 a 2019. O mesmo curso em que eu tinha sido aluno antes. Então eu assumi, juntamente com o diretor, Menelick de Carvalho, a função de coordenador de versões do curso de Musical Avançado, e assinava as versões das práticas de Montagem (Sweeney Todd e Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812). Quando fizemos musicais originais na CAL, trabalhei na adaptação do texto do musical jukebox A Lira dos 20 Anos e fui co-letrista e adaptador do musical original Hoje É Dia de Rock baseado no clássico homônimo de José Vicente.
Falando em letras originais, em 2023 eu dirigi, adaptei e escrevi as letras do musical autoral O Inspetor Geral – Um Musical, do clássico de Gógol.
Na parceria com o Menelick, versionamos e traduzimos – e também dirigimos (ele como diretor, eu como assistente) – o musical Yank!, que ganhou o Prêmio Musical Brasil de Melhor Versão Brasileira em 2018 e o 17º Prêmio Cenym do Teatro Nacional de Melhor Canção Adaptada em 2017.
Ano passado, versionei a montagem brasileira de Stranger Sings!, o musical paródia de Stranger Things.
Em 2019, dirigi e versionei (o que não é tão comum no meio lírico) a opereta Uma Educação Incompleta de Emmanuel Chabrier para o projeto Ópera Studio da UFRJ. Também sou versionista de Dentro do Bosque, uma montagem acadêmica de Into the Woods do CEFTEM, de Legalmente Loira – O Musical e, é claro, de Nas Alturas (In the Heights), produzidas pelo In Cena.
Klaus: Como surgiu o convite para versionar In The Heights, de Lin-Manuel Miranda, para a In Cena?
Vitor: Eu já havia trabalhado com eles anteriormente na montagem de Legalmente Loira do In Cena. O diretor era o mesmo, Victor Maia, e ele pediu que eu fizesse as versões do In the Heights.
Klaus: Quando assisti ao musical no Teatro João Caetano, o que mais me impressionou foi o seu trabalho com as rimas. Ficou evidente o seu esforço para preservar ao máximo o esquema original. Na sua visão, o que diferencia Lin-Manuel Miranda de outros letristas?
Vitor: Sim. De fato eu não abro mão de rimas. Eu acredito que manter a forma poética da música é tão importante quanto manter o sentido. Fazer versão sempre envolve fazer escolhas e requer muita interpretação de texto. Você deve transmitir o que o autor quis transmitir com cada momento e seção das músicas – isso inclui a sonoridade. A rima ajuda a plateia a entender o texto também, porque elas fazem sentido rítmico e musical.
Com relação ao Lin-Manuel, pra mim, o diferencial dele não é só a obsessão com rimas – o que vários têm, Sondheim, por exemplo –, mas o jeito que ele brinca com ritmo. Isso é extremamente complicado e difícil de traduzir pro português. O Lin escreve muitas pausas nas músicas, o que faz achar um fraseado que faça sentido pra gente ser bem difícil.
Klaus: Adaptar Lin-Manuel Miranda exige priorizar as rimas sobre o sentido para capturar sua essência, ou você acredita que o equilíbrio entre forma e conteúdo deve prevalecer?
Vitor: Na minha opinião, o versionista deve lidar com a obra do Lin como um grande quebra-cabeça. Na verdade, eu abordo toda e qualquer versão assim, mas no caso dele, é um quebra-cabeça de mil peças.
Para fazer versão você tem que se preocupar com sentido, métrica, prosódia e a poesia, primordialmente. Tem outras coisas, mas esses são os aspectos principais. Então, você deve ir fazendo escolhas, decidindo o que é mais importante a cada momento, tentando nunca abrir mão 100% de nada.
E pro Lin, você tem que ser criativo, porque ele faz vários esquemas inusitados de ritmo e rima – rimas no meio da frase, no meio da palavra, duas oxítonas que rimam com uma paroxítona, e por aí vai.
Na minha opinião, o versionista deve lidar com a obra do Lin como um grande quebra-cabeça.
Vitor Louzada
Klaus: Qual foi a música ou o trecho mais difícil de adaptar em In The Heights?
Vitor: Qualquer parte de rap era particularmente difícil para mim. A música de abertura, por exemplo, me exigiu semanas de trabalho.
Não posso garantir que foi a mais difícil, mas me marcou bastante.
Outra coisa particularmente difícil é integrar o espanhol – muito similar ao português – de forma orgânica, de um jeito que ainda pareça outra língua de fato.
Klaus: O trabalho do versionista é fascinante: passamos horas lapidando cada palavra para encontrar o encaixe perfeito, mesmo sabendo que muitas dessas soluções incríveis em português passarão despercebidas pelo público. Quais trechos da sua versão de In The Heights você destacaria para o leitor?
Vitor: Eu acho isso curioso, mas de certa forma bonito até. Acho que a versão deve ser invisível, ela tem que ser dita de forma que o espectador não tenha um estranhamento da frase ou da escolha de palavras. Eu almejo que ela não grite “isso foi traduzido de outra língua”. É sempre possível? Não. Mas eu tento.
Acho que a versão deve ser invisível, ela tem que ser dita de forma que o espectador não tenha um estranhamento da frase ou da escolha de palavras. Eu almejo que ela não grite “isso foi traduzido de outra língua”.
Vitor Louzada
A partir daqui, Vitor Louzada destacou vários trechos de sua adaptação. Para acessar a entrevista completa, basta se cadastrar gratuitamente no LetraVerso em letraverso.com.br. Creio que esta entrevista será de grande interesse para quem se dedica à arte de adaptar musicais e deseja compreender melhor os desafios enfrentados ao trabalhar com obras de Lin-Manuel Miranda.
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