Artigo 2 – Aaron Burr, Sir

Aaron Burr surge como a primeira peça-chave na trajetória de Alexander Hamilton. No musical, o encontro entre eles não apenas traduz a rivalidade que realmente existiu, mas também evidencia o forte contraste entre suas personalidades: enquanto Burr prioriza a cautela e a estratégia, Hamilton é impulsionado por urgência e ambição. É nesse choque de visões que se percebe como Lin-Manuel Miranda insere certas liberdades criativas em prol do bom andamento da narrativa.

Leia a tradução da canção: Aaron Burr, Sir – tradução.

Sumário

História

Alexander Hamilton chegou às colônias americanas entre 1773 e 1774, vindo das ilhas do Caribe. Seu objetivo inicial era ingressar no College of New Jersey (Princeton), mas a proposta de concluir o curso em tempo reduzido foi rejeitada pelo presidente da instituição, John Witherspoon. Diante disso, ele optou por estudar em King’s College (atual Universidade Columbia), onde terminaria sua formação em 1776.

Nessa época, Hamilton já conhecia Aaron Burr. Burr, filho de um dos fundadores de Princeton, foi admitido na universidade aos 13 anos, depois de ter sido recusado aos 11 por conta da pouca idade. Não se sabe exatamente quando os dois começaram a interagir, mas os debates acadêmicos e o círculo intelectual em torno de Nova York e Nova Jersey certamente proporcionaram esse contato.

Outro personagem importante na vida de Hamilton foi Hercules Mulligan, imigrante irlandês que o hospedou em Nova York e o aproximou das ideias revolucionárias. Essa amizade teve grande influência na decisão de Hamilton de apoiar a causa da independência e o envolveu ainda mais nas discussões sobre o futuro das colônias.

Em 1776, o clima político estava em ebulição. A assinatura da Declaração de Independência formalizou a ruptura com a coroa britânica e deu início oficial à “experiência americana”. Embora ainda não tivesse entrado no conflito armado, Hamilton já era ativo nos debates e na produção de textos a favor dos colonos, consolidando sua reputação como voz promissora.

No ano seguinte, ele conheceu John Laurens, quando ambos se tornaram auxiliares de George Washington. Laurens vinha de uma família abastada, era ferrenho opositor da escravidão e se tornaria um dos amigos mais próximos de Hamilton. Essa ligação se fortaleceu nas batalhas que ambos enfrentariam durante a guerra, sempre ao lado de Washington.

Foi também em 1777 que o Marquês de Lafayette, aos 19 anos, uniu-se à causa revolucionária americana, trazendo apoio direto da França aos insurgentes. Nesse mesmo ano, conheceu Alexander Hamilton ao integrar o estado-maior de George Washington, formando uma forte aliança política e pessoal que fortaleceu a luta pela independência das colônias.

Música

Nesta canção, Lin-Manuel Miranda comprime a linha do tempo para juntar Aaron Burr, John Laurens, Marquês de Lafayette e Hercules Mulligan em 1776 — embora, na realidade, tenham se conhecido em momentos diferentes.

Rimas

“Aí eu percebi: ‘bur-sar’. E se tem algo que eu descobri trabalhando com o Lin, é que o Lin ama trocadilhos.”

Ron Chernow, em uma conversa na National Archives Foundation.

Em inglês, “Burr, sir” (Burr, senhor) soa idêntico a “bursar” (tesoureiro). Lin-Manuel Miranda, aproveitando essa oportunidade, encaminhou o começo da canção para essa piada. Para escrever o musical, Lin-Manuel fez uma lista de palavras que rimavam com “Burr” e tentou usar o máximo possível ao longo do musical. Apesar de Hamilton não ter de fato socado um tesoureiro na vida real, Lin-Manuel Miranda não quis perder essa oportunidade de fazer essa rima, que fez até Stephen Sondheim gargalhar.

“Eu nunca vou me esquecer de uma das nossas primeiras pré-estreias, quando essa frase foi dita e eu ouvi uma risada estrondosa vinda do fundo, e pensei: ‘Ah, o Stephen Sondheim gostou da minha piada do ‘bursar’. Ela vai ficar.”

Lin-Manuel Miranda, em uma conversa na National Archives Foundation.

Encontros, contrastes e o cenário de Nova York

A cena destaca o fato de Burr ter concluído Princeton muito jovem, mas não cita que o pai dele foi presidente da instituição. Assim, Hamilton acha que Burr apenas se formou depressa e deseja imitá-lo, pois não tem dinheiro e precisa correr contra o tempo.

Nas falas de Burr, seu conselho de “fale menos, sorria mais” cria um contraste entre o comportamento cauteloso dele e a energia de Hamilton. O próprio autor compara esse encontro ao de Harry Potter e Draco Malfoy, antes de Harry conhecer seus verdadeiros amigos.

O foco em Nova York reforça o clima da peça. Fraunces Tavern (imagem), mencionada no libreto, ainda existe e ajuda a criar uma identidade nova-iorquina. Embora muitos eventos tenham ocorrido em outros lugares, Nova York é o palco central e aproxima o musical do público da Broadway.

Uma roda de rap

É interessante notar os estilos de rap que Lin-Manuel Miranda escolheu para cada personagem. Laurens adota uma pegada old-school, lembrando o hip-hop dos anos 80. Lafayette brinca com versos em francês, acentuando sua origem estrangeira. Já Mulligan tem momentos bem-humorados, pois seu nome rende trocadilhos úteis.

Em 2 de maio de 2013, Lin-Manuel Miranda escreveu isto no Twitter:

“Acho que Lafayette quer fazer rap em francês agora. Vou ter que aprender um pouco de francês. Que droga, Lafayette. #Hamilton”

Lin-Manuel Miranda, no Twitter em 2 de maio de 2013.

Um detalhe marcante dessa cena é o uso de beatbox e sons improvisados. Laurens, Lafayette e Mulligan criam batidas usando beatbox e batidas na mesa para simular percussão enquanto interagem. Curiosamente, esse som de batidas quase foi cortado da gravação oficial. Foi o produtor Ahmir “Questlove” Thompson quem garantiu que o efeito fosse mantido, reproduzindo os sons com batidas em sua própria mesa de trabalho. Tanto sua participação quanto a mesa foram creditadas nas notas do álbum.

Algo que percebi enquanto ouvia o instrumental dessa música é que dá para ouvir a voz dos atores no fundo, provavelmente vindo do fone de ouvido de Ahmir “Questlove” Thompson.

“Aaron Burr, Sir” é, portanto, um ponto de partida que equilibra fatos e liberdade criativa. Além de modernizar situações com referências como os breakdancers de Nova York, a cena mostra Hamilton brindando, apesar de seu histórico real de pouca afinidade com o álcool. O objetivo é simples: apresentar rapidamente quem são esses personagens, dar o tom do musical e deixar claro que a rivalidade entre Hamilton e Burr vai ditar o ritmo de boa parte da história.


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